março 01 2024

BIMCO submete à IMO documento sobre inconsistência entre a Convenção de Hong Kong e a Convenção de Basileia

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O Conselho Marítimo Internacional e do Báltico (Baltic and International Maritime Council - BIMCO), em conjunto com Bangladesh, Índia, Noruega, Paquistão e a Câmara Internacional de Navegação (International Chamber of Shipping - ICS), submeteu à Organização Marítima Internacional (International Maritime Organization – IMO) um documento referente à necessidade de analisar inconsistências legais entre a Convenção Internacional de Hong Kong para a Reciclagem Segura e Ecologicamente Correta de Navios (Hong Kong International Convention for the Safe and Environmentally Sound Recycling of Ships) (“Convenção de Hong Kong”) e a Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (Basel Convention on the Control of Transboundary Movements of Hazardous Wastes and their Disposal). Tal documento foi submetido no âmbito da 81ª reunião do Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho (Marine Environment Protection Committee - MEPC), que será realizada de 18 a 22 de março.

O alerta da BIMCO e demais subscritores sobre eventuais inconsistências está pautado no fato de que cascos de ex-embarcações são enquadrados como resíduos pela Convenção de Basileia e, a depender da bandeira de tais embarcações, também estarão submetidas à Convenção de Hong Kong. Ocorre que cada uma de tais convenções tem enfoques, critérios e aplicabilidade a países diferentes, podendo tornar a observância de ambos os diplomas desafiador.

A Convenção de Basileia foi concluída na Basileia, Suíça, em 22 de março de 1989 e internalizada na íntegra por meio do Decreto nº 875, de 19 de julho de 1993, sendo também regulamentada pela Resolução Conama nº 452, 02 de julho de 2012, bem como foi ratificada pelo Decreto 4.581/2003.

O principal objetivo da Convenção de Basileia é a proteção à saúde humana e ao meio ambiente dos efeitos de resíduos perigosos, por meio da proibição do transporte de resíduos perigosos entre países, exceto em casos que ambos os países sejam membros de tal convenção e que tal transporte tenha sido autorizado pelo país importador e, caso aplicável, países de passagem, de acordo com os tramites da convenção. Ou seja, é proibido o transporte de resíduos para países que não sejam parte da Convenção de Basileia ou que não tenham recebido a autorização para o transporte de acordo com os procedimentos de tal diploma. Nesse viés, os procedimentos para obtenção da autorização de exportação pelo país exportador depende da manifestação do país importador e países de trânsito, de modo que pode demorar muitos meses para ser emitida.

Assim, a Convenção de Basileia se concentra na localização dos resíduos, focando nas obrigações do exportador do resíduo no país de exportação, bem como do importador do resíduo no país de importação, independentemente da titularidade ou nacionalidade de tal resíduo. Dessa forma, o pedido de exportação a ser formalizado perante o órgão competente no país exportador é feito pela empresa nacional de tal país, responsável pela entrada e permanência de tal resíduo no território. No caso de cascos de ex-navios, é possível que o país exportador não seja a sede da empresa proprietária ou da bandeira do ex-navio.

A Convenção de Hong Kong foi adotada em conferência diplomática realizada no ano de 2009, em Hong Kong e entrará em vigor no dia 26 de junho de 2025. Até o presente momento, o Brasil não ratificou a convenção que possui como partes Bangladesh, Bélgica, República do Congo, Croácia, Dinamarca, Estônia, França, Alemanha, Gana, Índia, Japão, Libéria, Luxemburgo, Malta, Reino dos Países Baixos, Ilhas Marshall, Noruega, Paquistão, Panamá, Portugal, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Espanha e Turquia.

O objetivo da Convenção de Hong Kong é reduzir riscos desnecessários ao meio ambiente e à saúde e segurança humana no processo de reciclagem de navios ao fim de suas vidas operacionais. Nesse viés, os aspectos ambientais e de segurança relacionados à reciclagem de navios são abordados de forma completa, desde a manutenção de um inventário de produtos perigosos a bordo e emissão de Certificado Internacional de Pronto para Reciclagem (International Ready for Recycling Certificate – IRRC) até a certificação de instalações capacitadas para realizar a reciclagem de forma segura e ambientalmente correta.

Assim, quando a Convenção de Hong Kong entrar em vigor, os navios arvorando a bandeira de um dos Estados parte dessa convenção ou operando sob a sua autoridade: (i) deverão portar inventário de materiais perigosos; e (ii) somente poderão ser reciclados em instalações de reciclagem autorizadas de acordo com a convenção e após a obtenção de um IRCC, emitido pela autoridade do Estado no qual a instalação de reciclagem está localizada e baseado em um Plano de Reciclagem de Navio e vistoria realizada pela administração constatando, entre outras coisas, que o Inventário de Materiais Potencialmente Perigosos está de acordo com a convenção, que o Plano de Reciclagem de Navio corretamente reflete o Inventário de Materiais Potencialmente Perigosos e que a instalação de reciclagem a que o navio se destina tem uma autorização válida.

A Convenção de Hong Kong, por ser específica para reciclagem de embarcações, se aplica às embarcações de bandeira ou operando sob a autoridade de Estados parte da convenção, bem como às instalações de reciclagem localizadas em Estados Parte da convenção, sem qualquer relação com a localização da embarcação no que tange à sua viagem para a reciclagem.

Nesse ponto, o documento submetido pela BIMCO aponta que existe o risco de que um navio, ao receber o IRCC no âmbito da Convenção de Hong Kong, vinculando o armador e a instalação de reciclagem, seja ao mesmo tempo considerado um resíduo perigoso nos termos da Convenção de Basileia, vinculando o país aonde se localiza o casco da ex-embarcação no momento de sua destinação para reciclagem.

Nesse caso, impõe-se de pronto um cronograma desafiador. Enquanto as autorizações de exportação emitidas com base na Convenção de Basileia podem demorar vários meses para serem emitidas, o IRCC terá validade não superior a três meses. Assim, caso seja necessário obter uma autorização pela Convenção de Basileia, será muito difícil obter tal autorização dentro do prazo de validade do IRCC.

Um outro questionamento colocado no documento é se a mera emissão do IRCC poderia ser compreendida como enquadramento da embarcação como “ex-navio” e, portanto, sujeita à Convenção de Basileia. Nesse caso, se a embarcação ainda estiver realizando viagens e serviços após a emissão do IRCC, mas antes da destinação final à instalação de reciclagem, poderia gerar a aplicação de sanções pela Convenção de Basileia. Aqui ressalta-se que os procedimentos da Convenção de Basileia não se aplicam para navios em sua operação comum, na forma do artigo 1 da convenção. No Brasil, a Portaria Interministerial n º 2/16 esclarece que os procedimentos de tal convenção somente se aplicam para o casco de ex-navios. Assim, o esclarecimento que se pretende pela BIMCO e demais signatários é que a emissão do IRCC não seja considerada como determinante para o enquadramento como “ex-navio”.

Por fim, o documento questiona como a aplicação de ambas as convenções podem ter impactos significativos em uma mesma embarcação a depender do local em que ela esteja quando iniciar sua viagem para reciclagem. Foi utilizado como exemplo uma embarcação de bandeira japonesa, a ser reciclada em um país da Ásia, com o IRCC emitido pelo Japão como Estado parte da Convenção de Hong Kong. No entanto, poderia ser aplicável para embarcações arvorando as bandeiras que detém grande parte da frota hoje em operação, como Ilhas Marshall, Libéria e Malta. Se o país onde a embarcação estiver localizada for membro da Convenção de Basileia e tiver aderido à proibição de exportação para países que não sejam membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organisation for Economic Co-operation and Development – OECD), como França e Chile, não será emitida uma autorização de exportação no âmbito da Convenção de Basileia. Assim, o armador, mesmo tendo destinado a embarcação para reciclagem segura cumprindo com os tramites da Convenção de Hong Kong, estaria exposto a sanções com base na Convenção de Basileia.

Portanto, o objetivo do documento enviado pela BIMCO à IMO é esclarecer a aplicabilidade de ambas as convenções evitando interpretações diferentes por jurisdições distintas e evitando aplicação de sanções não razoáveis ou, ainda, a adoção de procedimentos para burlar a aplicação das convenções.

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