dezembro 19 2024

GOVERNO PUBLICA DECRETO QUE OBRIGA A ADOÇÃO DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE EM LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

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O Governo Federal publicou, em 10 de dezembro de 2024, o Decreto n° 12.304/2024, que regulamenta a Lei n° 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e estabelece a obrigatoriedade de adoção de programas de integridade por empresas envolvidas em contratações públicas de grande vulto, inclusive para critérios de desempate de propostas e como condição de reabilitação de empresas declaradas inidôneas.

Alinhado à atual agenda anticorrupção e de compliance da Controladoria-Geral da União (“CGU”), o Decreto tem como objetivo promover maior transparência, ética e sustentabilidade nas contratações realizadas pelo Governo Federal, refletindo uma tendência de aperfeiçoamento regulatório e maior escrutínio sobre práticas de integridade privada, particularmente em setores altamente regulados e dependentes de contratos governamentais.

O Decreto inova, ainda, ao introduzir exigências normativas voltadas à governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance – “ESG”), tornando-se um dos primeiros regulamentos anticorrupção a abordar o tema de forma vinculante. Essa iniciativa destaca a crescente interseção entre práticas de compliance e de sustentabilidade no mercado, especialmente no âmbito das relações governamentais e contratações públicas.

I. APLICABILIDADE

O Decreto é aplicável a todas as contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, bem como a concessões, permissões e parcerias-público-privadas realizadas por:

  • Órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional; e
  • Órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital e municipal quando envolverem recursos oriundos de transferências voluntárias da União.

II. EMPRESAS OBRIGADAS

São obrigadas a comprovar a implementação e a adoção de programa de integridade:

  • Empresas contratadas para a execução de obras, prestação de serviços e fornecimentos de grande vulto (e., que superarem o valor de R$ 239.624.058,14, considerando o valor do contrato e eventuais aditivos).1 No caso de contratos celebrados com consórcios, todas as empresas consorciadas deverão comprovar a adoção do programa;
  • Empresas licitantes que apresentarem, em uma licitação, declaração de adoção de programa de integridade como critério de desempate entre duas ou mais propostas; e
  • Empresas contratadas ou licitantes que solicitarem reabilitação em razão de sanções aplicadas em decorrência de (i) apresentação de declaração ou documentação falsa durante a licitação ou a execução do contrato; ou (ii) prática de atos lesivos previstos na Lei n° 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”). Especificamente com relação às empresas sancionadas que já possuíam programa de integridade no momento da aplicação da sanção objeto do pedido de reabilitação, estas deverão comprovar o aperfeiçoamento do programa – neste caso, também será considerada a adoção de medidas de remediação relacionadas aos fatos que ensejaram a aplicação da sanção.

III. DEFINIÇÃO DE PROGRAMA DE INTEGRIDADE E NOVOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Para fins de avaliação dos programas de integridade, o Decreto adota o conceito de programa e os 15 parâmetros de avaliação originalmente estabelecidos pela Lei Anticorrupção, regulamentada pelo Decreto Federal n° 11.129/2022.

O Decreto inova, contudo, ao incluir a exigência de mecanismos específicos voltados à prevenção, detecção e combate de condutas que violem direitos humanos, trabalhistas e ambientais – além daqueles destinados à prevenção e combate de atos de corrupção e fraude –, bem como à promoção de maior transparência e responsabilidade socioambiental no âmbito das empresas. Esses mecanismos passarão a ser exigidos tanto para a definição do programa de integridade quanto para a avaliação de sua existência e efetividade, ampliando o rol de parâmetros de avaliação dos programas adotados ou aperfeiçoados pelas empresas obrigadas.2

IV. PRAZOS

As informações e os documentos necessários para comprovar a implementação, o desenvolvimento ou o aperfeiçoamento do programa de integridade deverão ser submetidos:

  • Em até seis meses, contados da assinatura do contrato, para contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto. Na hipótese em que o valor de R$ 239.624.058,14 seja alcançado por meio de aditivo contratual, o prazo de seis meses deverá ser contado a partir da data de sua assinatura;
  • No momento da apresentação de proposta para fins de desempate, em uma licitação, entre duas ou mais propostas; ou
  • No momento da apresentação do pedido de reabilitação.

V. CGU: ATUAÇÃO E RESPONSABILIDADES

A CGU será o órgão responsável por receber e endereçar as informações e os documentos relacionados aos programas de integridade. Nos termos do Decreto, a CGU exercerá atividades de natureza (i) preventiva, por meio de orientação, supervisão e avaliação dos programas; e (ii) repressiva, por meio da instauração de processos de responsabilização e aplicação de sanções.

a. Atuação Preventiva

O Decreto prevê que a CGU atuará de forma a (i) conscientizar e capacitar agentes públicos e entidades privadas em matéria de integridade e ética; (ii) levantar e analisar informações e dados relevantes para subsidiar a avaliação dos programas de integridade; e (iii) avaliar a aderência dos programas aos parâmetros de avaliação estabelecidos no Decreto.

A avaliação dos programas de integridade poderá ser realizada pela CGU (i) de ofício; (ii) em decorrência de ações periódicas de avaliação, inclusive por meio de amostragem; ou (iii) de forma coordenada com outros órgãos e entidades públicos. Em quaisquer dos casos, a CGU poderá avaliar os programas por meio da solicitação de informações e da realização de diligências, visitas técnicas e entrevistas. 

A avaliação que concluir pela implementação, desenvolvimento ou aperfeiçoamento do programa de integridade terá validade de dois anos.

b. Atuação Repressiva

Infrações

O Decreto prevê que empresas licitantes ou contratadas poderão ser responsabilizadas administrativamente pela CGU em caso de irregularidades relacionadas ao fornecimento de informações e documentos sobre os programas de integridade. Essas condutas configuram um novo rol de atos lesivos (art. 17 do Decreto) passíveis de responsabilização nos termos da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.  

Dentre as novas infrações previstas, destacam-se: (i) omitir ou recusar, sem justificativa, informações ou documentos necessários à comprovação da implementação, desenvolvimento ou aperfeiçoamento do programa de integridade; (ii) descumprir, sem justificativa, prazos e medidas estabelecidos nos planos de conformidade; e (iii) fraudar documentos ou informações que comprovem a implementação, desenvolvimento ou aperfeiçoamento do programa de integridade.

Na hipótese em que essas infrações também configurem atos lesivos tipificados na Lei Anticorrupção, elas serão apuradas e julgadas conjuntamente, seguindo os procedimentos de referida lei.

Sanções

As empresas responsabilizadas administrativamente por infrações previstas no Decreto estarão sujeitas às seguintes sanções: (i) advertência; (ii) multa de 1% a 5% do valor da licitação ou contrato; (iii) impedimento de licitar e contratar; ou (iv) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

Na hipótese em que essas infrações também configurem atos lesivos tipificados na Lei Anticorrupção, poderão ser aplicadas também as sanções previstas em referida lei.

VI. VIGÊNCIA

O Decreto entrará em vigor 60 dias após a data de sua publicação (i.e., 8 de fevereiro de 2025).

A publicação do Decreto reforça a estratégia da CGU para fortalecer as iniciativas de integridade e responsabilidade social no setor privado, tornando os programas de integridade e as práticas ESG não apenas uma obrigação legal, mas também um diferencial competitivo em licitações e contratações públicas. Mais do que nunca, a adoção e o aperfeiçoamento dos programas serão um indicativo do compromisso efetivo das empresas com a governança corporativa e a ética empresarial, exigidos de forma cada vez mais rigorosa pelas autoridades brasileiras.

Em caso de dúvidas, não hesite em nos contatar. Nossas equipes de Anticorrupção & Compliance e Direito Público estão à disposição para oferecer suporte personalizado, discutir como essas disposições podem impactar sua empresa e ajudá-los a implementar ou adequar seus programas de integridade conforme as novas regras e prazos estipulados no Decreto.

 


 

1  A Lei nº 14.133/2021 define “obras, serviços e fornecimentos de grande vulto” como “aqueles cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)”. Tal valor foi atualizado pelo Decreto nº 11.871/2023, totalizando R$ 239.624.058,14.

2  Art. 2º.  Para fins deste Decreto, considera-se programa de integridade o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta e outras políticas e diretrizes de integridade e prevenção a atos de corrupção, com objetivo de: (...)  II – mitigar os riscos sociais e ambientais decorrentes das atividades da organização, de modo a zelar pela proteção dos direitos humanos; (...).

Art. 3º.  O programa de integridade será avaliado, quanto a sua implantação, seu desenvolvimento ou a seu aperfeiçoamento, de acordo com os seguintes parâmetros: (...) IX – mecanismos específicos para assegurar o respeito aos direitos humanos e trabalhistas e a preservação do meio ambiente; (...) XVI – transparência e responsabilidade socioambiental da pessoa jurídica; e XVII – monitoramento contínuo do programa de integridade com vistas ao seu aperfeiçoamento na prevenção, na detecção e no combate à ocorrência de fraudes, de irregularidades, de atos lesivos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e de condutas que atentem contra os direitos humanos e trabalhistas e o meio ambiente.

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