setembro 03 2024

Publicado Novo Decreto Regulamentador da Lei do Gás

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Em 27 de agosto de 2024, em cerimônia de aprovação da política nacional de transição energética, o presidente Lula assinou 5 documentos: (i) revogação do Decreto nº 9.928/2019, que instituiu o Comitê Técnico para Desenvolvimento do Mercado de Combustíveis e Demais Derivados de Petróleo e Biocombustíveis, (ii)  Decreto nº 12.153/2024, que altera o Decreto nº 10.712/2021 e regulamenta a Lei nº 14.134/2021 em relação às atividades de escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural, (iii) Projeto de Lei sobre Conteúdo Local, (iv) Projeto de Lei que trata da depreciação acelerada para navios tanque e (v) Projeto de Lei que cria nova modalidade do Auxílio Gás.

No entanto, foi o Decreto nº 12.153/2024 (“Decreto”) que atraiu maior atenção do mercado. Ele era esperado como resultado do programa instituído pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e conhecido como “Gás para Empregar”, que buscava aumentar a oferta de gás natural e diminuir o preço ao consumidor final, contribuindo com a geração de emprego e renda para a sociedade brasileira

Destacamos abaixo os principais tópicos endereçados pelo Decreto.

Planejamento da segurança energética nacional

O Decreto amplia a participação e atribui uma série de novas competências para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que passa a ter um papel de maior intervenção no setor. O Decreto estabelece ainda que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) será responsável pela elaboração do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, que deverá considerar:

  • o interesse público;
  • a estratégia de desenvolvimento da oferta e da demanda de gás natural no longo prazo do Plano Nacional de Energia;
  • o atendimento à demanda estimada da sociedade no período de dez anos, sinérgico com as indicações apontadas no Plano Decenal de Expansão de Energia, considerados os setores econômicos potencialmente intensivos no uso de gás natural, inclusive seus derivados, biometano e energéticos com tratamento equivalente ao gás natural;
  • a otimização e a disponibilidade das infraestruturas, de forma a proporcionar a maximização da produção dos recursos energéticos nacionais;
  • o melhor aproveitamento e o compartilhamento das atuais e das novas infraestruturas e instalações, inclusive aquelas que se encontrem fora de operação ou descomissionadas;
  • a indicação da necessidade de infraestruturas com capacidade suficiente para o atendimento à demanda esperada ao longo do tempo ou que permitam ampliações futuras, consideradas as infraestruturas existentes;
  • a eficiência das infraestruturas, de forma individual e de forma global, para promover o menor impacto de custo sistêmico, ao longo do tempo, e contribuir para a modicidade dos preços do gás natural e seus derivados, sem prejuízo da oferta e da qualidade; e
  • as regras de interconexão entre as infraestruturas, que considerem os modais logísticos mais adequados para abastecimento das regiões que demandem ou possam demandar gás natural, nos termos da regulação da ANP.

Para tanto, a EPE poderá solicitar dados com relação ao potencial de produção das bacias, das estruturas existentes e níveis de produção e utilização da ANP, bem como consumo máximo das usinas a gás da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). A ANP deverá ainda promover a articulação entre produtores de petróleo, gás natural, biogás e biometano, com vistas a dar subsídios para a elaboração do planejamento setorial pela EPE e também promover o acesso e o compartilhamento das infraestruturas.

Diretrizes adicionais para o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano poderão ser estabelecidas por meio de ato do Ministro de Minas e Energia (MME).
Uma vez elaborado com base em estudos conduzidos pela EPE, o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano deverá ser apresentado para consulta pública, e posteriormente submetido à aprovação do MME.

As infraestruturas e instalações definidas no Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano deverão ser consideradas pela ANP para definição de blocos de exploração e produção de O&G. Desse modo, será dada preferência a blocos em regiões em que haja possibilidade de acesso às infraestruturas de escoamento, tratamento e processamento de gás natural existentes ou cuja construção ou ampliação estejam previstas.

1. Proteção dos interesses do consumidor quanto a preço

Com o objetivo de atender aos interesses dos consumidores quanto ao preço final do gás, o Decreto atribui as seguintes competências para a ANP:

  • Transparência e concorrência. A ANP deverá prevenir a ocorrência de condições que possam favorecer a prática de infrações contra a ordem econômica. Nesse sentido, também é de competência da ANP regular os elos da cadeia de abastecimento de forma a estruturar o ambiente concorrencial para venda de gás natural, derivados e biometano.
  • Obtenção de outorgas. A ANP deverá estabelecer os requisitos jurídicos necessários para a obtenção das respectivas outorgas de autorização, de forma a promover o ambiente concorrencial e a abertura do mercado. Vide abaixo mais informações sobre a emissão de autorização pela ANP.  
  • Interconexão. O Decreto é claro ao atribuir à ANP a competência para estabelecer as regras de interconexão entre as infraestruturas do setor de gás natural, considerados os diversos modais logísticos associados e a expansão das redes, com vistas à melhor estruturação do mercado concorrencial.
  • Acesso de terceiros. O Decreto também atribui à ANP a responsabilidade por estabelecer remuneração justa e adequada para os titulares das infraestruturas dutoviárias, referente ao acesso de terceiros, condizente com os riscos da atividade, para cada infraestrutura da cadeia do gás natural. De acordo com o Decreto, a remuneração ‘justa e adequada’ é a que consiste no alcance da remuneração mínima do capital investido na infraestrutura pretendida pelo investidor, com a devida correção inflacionária e amortização ao longo do tempo, que refletirá o menor impacto ao preço observado pelo consumidor. Para as demais infraestruturas essenciais, o acesso de terceiros segue sendo negociado e não com tarifa regulada.

2. Proteção dos interesses do consumidor quanto à oferta

Com o objetivo de proteger os interesses do consumidor quanto à oferta dos produtos, o Decreto estabelece que a ANP deverá monitorar permanentemente a continuidade e a segurança do abastecimento, em horizontes de tempo predeterminados.

Outrossim para garantir a oferta de gás natural e seus derivados, o Decreto atribui como responsabilidade da ANP a adoção de medidas, tais como:

  • realizar  novas licitações de oferta de área para exploração e produção de petróleo e gás natural;
  • determinar, mediante prévio processo administrativo com oitiva das empresas, respeitada a viabilidade técnico-econômica, a redução da reinjeção de gás natural ao mínimo necessário, inclusive com o estabelecimento do volume máximo de gás natural a ser reinjetado;
  • determinar, mediante prévio processo administrativo com oitiva das empresas, o aumento da produção de gás natural para campos em produção, inclusive os campos maduros;
  • determinar, mediante prévio processo administrativo com oitiva das empresas, que novos projetos com volumes significativos de gás natural contemplem possibilidade de exportação de gás natural;
  • determinar a adequação ou aumento da capacidade operacional das infraestruturas de produção, escoamento, tratamento, processamento e transporte de gás natural e seus derivados para atendimento à ampliação do volume estimado da produção de gás natural constante no Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, a ser elaborado pela EPE, de forma a atender aos interesses dos consumidores e ao abastecimento nacional. Nesse caso, o investimento deverá ser reconhecido no ato de autorização, com a correspondente remuneração de capital;
  • incentivar os operadores de campos a manterem sua produção em níveis satisfatórios, com vistas a extrair o maior valor econômico do campo, inclusive com venda de gás natural, de forma a garantir o abastecimento nacional, observadas as projeções de oferta e de demanda utilizadas na elaboração do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano;
  • estabelecer limites à exportação de gás natural quando identificado que a oferta futura de gás natural não será suficiente para atender à demanda dos consumidores nacionais, conforme diretrizes do CNPE.

Para fins de atender as medidas acima, a ANP determinará a revisão dos atuais planos de desenvolvimento de campos de produção de petróleo e gás natural, de forma a considerar o acesso a gasodutos de escoamento da produção e a instalações de tratamento e processamento de gás natural.

A ANP poderá ainda, no processo de revisão  dos planos de desenvolvimento já aprovados e nos planos de desenvolvimento futuros, avaliar a utilização de unidade de produção de gás natural compartilhada entre vários campos e a transferência entre unidades de produção existentes com capacidade de processamento de gás natural ociosa.

O Decreto prevê ainda que, quando identificar a possibilidade de aumento do volume de produção de gás natural, a ANP determinará, aos atuais operadores dos respectivos campos, a revisão dos planos e projetos de desenvolvimento e produção, para realizar os investimentos necessários a tal aumento de capacidade, sob pena de adoção das medidas legais e contratuais cabíveis.

3. Autorização para as atividades de escoamento, processamento, tratamento, transporte e estocagem subterrânea de gás natural

As instalações autorizadas devem seguir o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (a ser elaborado pela EPE) e ter capacidade suficiente para atender a demanda futura ou que permitam ampliações de capacidade. 

A ANP ofertará, para os investidores interessados, a outorga da autorização para as atividades das infraestruturas e instalações constantes do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, por meio de processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerados os aspectos técnicos e econômicos.

A ANP poderá outorgar a autorização para infraestruturas que não estejam previstas no Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, desde que tenham compatibilidade com o planejamento setorial e não prejudiquem o uso eficiente e compartilhado das infraestruturas existentes, permitida a submissão à EPE para avaliação prévia.

Requisitos mínimos para outorga de autorização para infraestruturas:

I – plano de negócios do investimento da instalação, com o respectivo valor total;
II – potencial de ampliação da capacidade;
III – fluxo de caixa projetado para o investimento;
IV – critérios econômicos adotados no fluxo de caixa projetado para o investimento;
V – critérios e períodos de amortização do investimento;
VI – remuneração de capital investido, adequada ao risco do negócio;
VII – adoção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou índice que venha a substituí-lo, para o reajuste do valor de investimento durante o período de amortização;
VIII – cronograma físico-financeiro do projeto; e
IX – custos operacionais e de manutenção das instalações.

A ANP dará publicidade aos parâmetros econômicos aprovados e realizados para a infraestrutura autorizada, incluída a fórmula de cálculo da tarifa e da remuneração justa e adequada. Serão estabelecidas metas regulatórias de eficiência operacional para cada ciclo de revisão tarifária.

O Decreto também prevê as possibilidades nas quais a ANP poderá indeferir a solicitação de autorização ou revogar a autorizações já concedidas caso: (i) a infraestrutura não demonstre compatibilidade com o planejamento setorial; (ii) a infraestrutura se mostre potencialmente prejudicial ao uso eficiente das demais infraestruturas existentes; e (iii) a infraestrutura não seja necessária ao abastecimento nacional e gere impacto ao preço do consumidor. Todos esses conceitos deverão ser definidos ou regulados posteriormente pela ANP.

4. Acesso de terceiros a infraestruturas essenciais

O Decreto lista os seguintes pressupostos para o acesso não discriminatório e negociado às infraestruturas de escoamento, tratamento, processamento e estocagem de gás natural:

  • condições de acesso negociado estabelecidas previamente pelo proprietário ou operador e amplamente divulgadas;
  • não exigência de participação societária como condição para o acesso;
  • a remuneração para o acesso seja baseada em critérios objetivos e considere um retorno justo e adequado do investimento, a partir de uma prestação de serviço eficiente; e
  • toda recusa ao acesso seja devidamente justificada.

Já em relação à negociação do acesso de terceiros às infraestruturas de escoamento, tratamento, processamento e estocagem de gás natural, destacamos os pressupostos abaixo:

  • os termos e as condições sejam padronizados para o acesso às infraestruturas, sempre que possível;
  • nenhuma das partes cause atrasos nas negociações;
  • a prestação do serviço pelo operador seja mediante remuneração justa e adequada, em condições não discriminatórias entre os diversos usuários, inclusive o usuário proprietário;
  • os operadores de infraestrutura negociem tarifas em base de custos, com a possibilidade de ser considerado, ainda, o fornecimento de serviços desagregados, quando solicitado e possível; e
  • as condições de acesso sejam isonômicas para as transações equivalentes com qualquer usuário, inclusive usuário proprietário.

A ANP poderá atuar de ofício para verificar controvérsias entre as partes, a qualquer momento da negociação do acesso, ou indícios de eventuais condutas anticoncorrenciais, ressalvadas as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (”CADE”).

5. Medidas para abertura do mercado de gás natural e maior oferta de gás natural, seus derivados e biometano

A ANP poderá firmar termo de ajustamento de conduta com os agentes do setor quando identificar indícios de comportamentos de agentes da indústria do gás natural ou constatar quaisquer medidas que dificultem, tendam a dificultar ou impeçam a abertura do mercado ou a sua liquidez, ou que possam prejudicar a oferta ao consumidor

Os contratos de acesso às infraestruturas vigentes serão adequados sempre que houver evolução regulatória pela ANP ou atualização da regulamentação do acesso de terceiros às infraestruturas ou dos códigos de conduta e prática de acesso à infraestrutura.

O Decreto também prevê que a ANP poderá estabelecer restrições, limites ou condições para utilização das infraestruturas pelos seus proprietários e pelas empresas interessadas no acesso, com vistas a promover a efetiva concorrência entre os agentes, especialmente no que se refere à obtenção e transferência de titularidade, acesso às infraestruturas, autorizações, concentração societária e realização de negócios entre partes vinculadas.

Por fim, os operadores de infraestruturas terão 180 dias para submeter propostas de base regulatória de ativos à ANP, que pode adotar valores transitórios para a base regulatória de ativos e tarifas postais uniformes para transporte de gás natural durante o período de transição regulatória, de forma a mitigar discrepâncias acentuadas de preços entre as regiões do País.
Também será instituído um Comitê de Monitoramento do Setor de Gás Natural para assessorar e monitorar políticas públicas.

Para mais informações, acesse aqui a íntegra do Decreto n.º 12.153/2024.

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